terça-feira, 7 de agosto de 2012

O Tempo Passou


Na última semana, recebi esse texto e me identifiquei muito com ele e quis trazê-lo aqui prá vocês se deliciarem também e matarem a saudade de um tempo que não vai muito longe, e que para alguns talvez ainda esteja presente nos bairros, no interior, no dia a dia de quem não vive nesse corre corre insano das grandes capitais.
Infelizmente, eu não sei o autor para citá-lo para vocês, mas se alguém o conhecer peço que me informe, pois gostaria muito de parabenizá-lo pela inspiração.
Recordem e tragam um bocadinho para o vosso dia a dia.



"O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO" 






Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos,
família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
– Olha o compadre aqui, garoto!
Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha ma e de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá,
entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa
cantoneira, flores na mesinha de centro...casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
– Gente,vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança.... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos
acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura
e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive
bons professores: televisão, vídeo, DVD, email... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
– Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em
túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas... Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos, do leite...
Que saudade do compadre e da comadre! E dos amigos também...


Agradeço ao site "Quitandoca" pela imagem ilustrativa.

2 comentários:

  1. Querida Ana, que texto lindo, muito real! Na minha infância também era assim e até hoje, quando passo em frente a casa de uma destas "comadres" de meus pais, sinto o cheiro do café com leite, o cheiro da broa de milho, o cheiro de um tempo que não volta mais. Muita saudades!

    ResponderExcluir
  2. Pois é amiga,nós tivemos a sorte de viver esse tempo,por esse motivo eu continuo fazendo os meus biscoitinhos, e te convido para saboreá-los comigo.Bjs.

    ResponderExcluir